O Edifício Ibaté de Adolf Franz Heep, e a crítica à legislação urbanística paulistana

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Adolf Franz Heep nasceu na Alemanha em 1902, e em em 1926 se formou na Escola de Artes e Ofícios de Frankfurt. Trabalhou com Adolf Meyer, Le Corbusier, André Lurçat e Jean Ginsberg. Em 1947 migra para São Paulo onde trabalha com Jacques Pilon e Henrique Mindlin. Em 1952 abre seu próprio escritório cujo foco era o desenvolvimento de projetos para o mercado imobiliário de São Paulo, na época uma das que mais crescia no mundo.  Dentre seus principais trabalhos cumpre citar, O Edifício de O Estado de São Paulo (junto com Pilon), a Igreja de São Domingos e o Edifício Itália, ícone da cidade. Heep também foi professor na FAU Mackenzie e membro do Conselho de Arquitetura daOrganização das Nações Unidas – ONU para os países latino-americanos.

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Em 1953 ele projetou o Edifício Ibaté na esquinas das Ruas Augusta e Antônio Carlos na Consolação. Em sua área residencial existem várias tipologias desde kitchnetes de 30 m2 até apartamentos de 90 m2. As fachadas das ruas Augusta e Antônio Carlos estabelecem um diálogo interessante. A primeira é marcada pelo contraste entre a empena cega e o volume em balanço sobre a calçada. Já a fachada da Antônio Carlos se caracteriza pela presença de um grande grelha que serve para isolar cada uma das unidades, e funciona como proteção para os caixilhos. Seus elementos horizontais são floreiras. O prédio se adapta perfeitamente à lei zoneamento da época, que dispensava os recuos frontais e laterais, fazendo dele um equipamento urbano que valoriza a calçada .  O térreo é quase que totalmente ocupado por áreas comerciais abertas diretamente para  ela, apenas a entrada do edifício residencial rompe esta unidade de uso. Na esquina uma leve inflexão amplia o espaço, em um gesto de grande sensibilidade para com a cidade. (ver Renato Saboya)

Detalhe da esquina e a parede deslocada que amplia o espaço para o pedestre

Detalhe da esquina e a parede deslocada que amplia o espaço para o pedestre

Este edifício é uma belíssima crítica à nossa legislação urbanística vigente. Atualmente as leis paulistanas acreditam que a qualidade da cidade depende de baixa ocupação do terreno e verticalização. Em São Paulo é possível construir edifícios cujas áreas sejam até quatro vezes o tamanho do terreno. Ao mesmo tempo se exige que as construções ocupem no máximo 70% do terreno. Surgem recuos frontais, laterais e grandes áreas livres dentro dos lotes que são protegidas por muros e guaritas. Dada a baixa ocupação permitida se faz necessário aumentar a altura dos prédios para que se possa alcançar a área construída máxima permitida. Esta a razão da triste paisagem paulistana das últimas décadas.

O edifício de Heep nos lembra que existem boas alternativas arquitetônicas, urbanísticas e econômicas, capazes de  construir uma cidade melhor. O terreno ocupado possui 668 m2, coeficiente de aproveitamento de 7,2, e 4.815 m2 de área construída. A taxa de ocupação é de 83% e a altura total é de 34 metros (Edson Lucchini Jr, 2010). Consequentemente este prédio fere todas as normas urbanísticas em uso hoje em dia. Contudo sua qualidade urbana e arquitetônica me parecem muito superiores às das torres cercadas por altos muros que caracterizam boa parte dos recentes lançamentos do mercado imobiliário paulistano.

É urgente aproveitar o momento em que se discute o Plano Diretor de São Paulo, para uma reflexão profunda sobre a Lei de Zoneamento de São Paulo. As Leis vigentes não colaboram para a construção de uma cidade justa e bonita. É preciso mudá-la!

Voltarei ao tema.

Sobre Marcos O. Costa

Arquiteto Urbanista formado pela FAU Mackenzie com mestrado em estruturas ambientais urbanas pela FAUUSP. Associado à Borelli & Merigo, onde desenvolve projetos nas áreas de edificações e urbanismo. É professor da FAAP e da Escola São Paulo. A publicidade exposta neste Blog é de responsabilidade da Wordpress
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16 respostas para O Edifício Ibaté de Adolf Franz Heep, e a crítica à legislação urbanística paulistana

  1. flaviadurante disse:

    Adorei saber um pouco mais sobre o meu prédio! 😉

    • Oi Flávia, obrigada por acompanhar o Blog. Gostaria de saber a sus opinião sobre o seu prédio.

      Abraço
      Marcos

      • flaviadurante disse:

        Gosto muito do prédio. Ultimamente a região anda muito barulhenta, mas compensa pela localização. Moro no de 1 quarto mas é alugado. Se eu pudesse compraria um lá mesmo, na cobertura! 😉

      • Oi Flávia, sou seu vizinho e de fato o bairro anda muito barulhento: excesso de carros, obras e gente berrando!
        Abraço,
        Marcos O. Costa

    • Ana disse:

      Olá Marcos, morei no edifício Ibaté por 5 anos em uma kitnet, o projeto é incrível, pois a gente não ouve nada dos apartamentos vizinhos. O mais legal são as janelas que abrem quase que completamente e o apartamento tem luz natural o dia todo. Outra coisa fantástica são as jardineiras nos parapeitos, quase todo mundo tinha vasos de plantas, também serve de “sapateira”…. O banheiro é bem grande e no meu apartamento servia também de lavanderia. Quanto a questão de área construída, realmente, não fazia nenhuma falta ter um recuo com guarita. Além disso as árvores das calçadas se aproximam muito dos apartamentos o que trazia uma impressão de estar num lugar com menos poluição quando de olhava pela janela. EU AMAVA MORAR NO EDIFÍCIO Ibaté!!!!!

  2. marina disse:

    Boa, Marcão! Não sei de onde se tirou que recuo é bom para a cidade. Pode ser, mas não necessariamente!

  3. Cesar Azevefo disse:

    Obrigado. Moro no prédio há 10 anos e desconhecia detalhes do projetista.

  4. Gabriel disse:

    Preciso das plantas e cortes para um trabalho da faculdade, alguém conhece locais em que posso obter esses detalhes?

  5. Luís Fuji disse:

    olá Marcos,
    achei o seu texto (ótimo texto, por sinal) pesquisando sobre esse prédio e decidi só fazer uma assimetria quanto ao seu ponto de vista.
    primeiro, não defendo que o t.o. seja exatamente de 70%, mas compreendo que deve haver um recuo razoável na lateral ou no fundo para que a distância entre os prédios não seja pequena demais, comprometendo a privacidade e o conforto ambiental.
    falando da relação entre c.a. e t.o., que permitiria espaços livres demais e prédios muito altos para compensar, não acho que seja um problema.
    o problema relativo à qualidade arquitetônica dos prédios recentes pra mim nada mais é que um reflexo do estreitamento do vínculo entre a produção arquitetônica e as meras demandas do mercado, que não são exatamente as demandas reais da sociedade e sim processos especulativos. e sofrem influências de situações cotidianas (às vezes fabricadas) e modismos. os projetos atuais seguem uma fórmula: a fórmula que mais dá lucro às incorporadoras. e as famílias se condicionaram a essa fórmula. por exemplo, é difícil achar uma família de classe média que queira comprar um apartamento que não seja em um bairro tranqüilo, que não tenha uma área de lazer, que não tenha vagas (no plural) de estacionamento, e que não tenha muros altíssimos com segurança privada e toda essa parafernália que todo mundo acha necessária. isso pra não falar nas plantas das unidades. por isso, não dá pra nenhum arquiteto inovar – nenhuma incorporadora vai querer um projeto que não siga essa bendita fórmula.
    e assim, mais ou menos com as mesmas diretrizes urbanísticas que as atuais, bairros como Higienópolis tem projetos de edifícios magníficos, onde arquitetos como Artigas, Rino Levi, Artacho e o próprio Jacques Pilon deixaram sua marca. mas os projetos eram bons porque o mercado não exigia garagens enormes, muros altos, espaços fitness e etc.

    • Obrigado pelos comentários Luís. Quero aproveitá-los para fazer algumas ponderações. Há soluções que permitem ocupar mais de 70% do terreno sem prejuízo à ventilação e privacidade. Esta solução permite um maior adensamento ao mesmo tempo em que permite prédios mais baixos. Este fato aliado ao uso múltiplo provocaria impacto na mobilidade urbana, pois aumentariam as chances de se morar perto do trabalho. Quanto à qualidade arquitetônica dos projetos eu só posso concordar. Contudo penso que não basta constatar as demandas do mercado. É preciso criticar estas demandas através de um debate que transforme a discussão urbana e arquitetônica, em uma questão cultural.

      Abraços,
      Marcos

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